Não é
nada disso. A PEC 37, ou Proposta de Emenda Constitucional nº 37-A, de 2011, de
autoria do deputado federal pelo Maranhão, Lourival Mendes, que é delegado de
polícia naquele Estado, simplesmente pretende acrescentar um parágrafo ao
artigo 144 da Constituição Federal (e por isso, Emenda à Constituição), que
trata da organização da Segurança Pública no Brasil, que deixe bastante claro que a missão
de investigar crimes é da Polícia judiciária, ou seja, da Polícia Federal e das
Polícias Civis dos Estados e a do Distrito Federal, aliás, entendimento esse
que já vem sendo manifestado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, em recente
julgamento noticiado amplamente, onde o Ministro Cezar Peluso, em seu voto,
afirma "no quadro das razões constitucionais, a instituição que investiga
não promove ação penal e a que promove, não investiga”.
O acréscimo
do § 10 ao art. 144 proposto pela PEC 37 tem o seguinte texto:
"A apuração das infrações penais de que
tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incubem privativamente às polícias federal e
civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente."
Portanto, o que se pretende é deixar claro, o que ainda é
nebuloso, a qual, ou quais, Instituições competem a apuração da infrações
penais, a fim de que essa função possa ser regulamentada sem que o Poder
Judiciário, a todo o momento, seja instado a se pronunciar sobre a ilegalidade
de investigações promovidas por outras Instituições.
É uma mera questão de ordenamento jurídico que visa dar
garantias à cidadania. Quantas vezes cidadãos, até mesmo advogados, peticionam
ao Ministério Público requerendo a propositura de uma ação penal e este
encaminha a representação para a Delegacia de Polícia, a fim de que o delegado
de polícia instaure o inquérito policial? Isso consome tempo, e em alguns casos
os vestígios se apagam e a impunidade se estabelece.
A PEC 37 norteia a comunidade jurídica e sinaliza aos
cidadãos o caminho a ser seguido, sem que ele perca tempo batendo em portas
erradas ao pretender ver processado alguém que tenha lesado sua integridade
física, seu patrimônio, sua honra, etc.
Outro ponto importantíssimo a se destacar, e a refutar a
maldosa ideia de que mas nenhum outro Órgão ou Instituição poderá realizar atos
investigatórios, é remetê-los ao texto da PEC 37 e ressaltar que ela confere
PRIVATIVIDADE às Polícias judiciárias, e não EXCLUSIVIDADE. O próprio texto das
razões que a justificam já destaca que as investigações criminais levadas a
efeito pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, definidas na própria
Constituição Federal, não sofrem qualquer alteração, ou seja, as CPIs ou as
CPMIs, continuarão com o poder de investigar os fatos que interessam à
República e à democracia brasileiras.
Em Direito sabemos que há uma clara distinção entre o que
é privativo e o que é exclusivo, em termos de competência. A exclusividade
ocorre quando a competência é única, enfim, quando um determinado ato só pode
ser exercido por uma determinada autoridade ou Órgão, como por exemplo, a
investigação dos crimes de extorsão mediante sequestro no Rio de Janeiro, cuja
competência é exclusiva da Divisão Anti-Sequestro, ou seja, nenhuma outra
Delegacia tem atribuição para investigar esses crimes, devido a especialidade
na matéria daquela Unidade de Polícia Judiciária. Já a privatividade, como
regra inferior a exclusividade, permite que aquela competência possa ser
exercida por outra autoridade ou Órgão em determinadas situações, ou até mesmo
concorrente. É o caso das investigações dos crimes contra a Fazenda Pública
aqui também, onde a competência da Delegacia de Polícia Fazendária se dá em
razão da lesão ao patrimônio público, pois sendo de pequena monta, a
investigação corre pela Delegacia da circunscrição onde ocorreu o fato.
A própria Constituição é a grande mestre a nos ensinar o
conceito de privatividade, quando em seu artigo 22 regula a competência
privativa da União em legislar sobre direito civil, penal, processual, etc., e
lá em seu parágrafo único estabelece que os Estados poderão legislar sobre
questões específicas dessas matérias, mediante autorização contida numa Lei
Complementar, ou seja, o ato de conferir privatividade a alguém não impede que,
em casos especiais, outro pode suplementar ou complementar aquela competência.
Nesse clima, a PEC 37 jamais poderia conferir
exclusividade às Polícias judiciárias quanto a competência de investigar as
infrações penais, pois a própria Constituição confere essa mesma competência a
outros Órgãos, como o caso das Comissões Parlamentares de Inquérito, as
investigações levadas a efeito pelos Tribunais nos crimes comuns cometidos
pelos magistrados, e pelo Ministério Público nos casos dos seus membros, etc.
Portanto, falar em "engessar" o poder
investigatório do Ministério Público é puro "estelionato"
corporativista, eis que o Ministério Público jamais deteve esse tal
"poder". Onde está escrito, na Constituição Federal, que o Ministério
Público tem poder de investigar alguma coisa? Nesse sentido, o Constituinte de
88 conferiu ao MP apenas o poder de requisitar a realização de diligências investigatórias
e a instauração de inquéritos policiais, acompanhando o seu andamento, bem como
a ultra nobre missão de exercer o controle externo da atividade policial, não
só a da polícia judiciária como da polícia ostensiva também.
O Ministério Público já possui missões relevantes e
destacadas no combate a impunidade, as quais têm início na própria competência
de fiscalizar a atividade policial, pois o combate a impunidade começa com uma
boa investigação, uma que consiga produzir as provas necessárias ao
oferecimento da denúncia - ato exclusivo do MP - e a condenação do criminoso.
Nem mesmo quando se trata de crimes cometidos por policiais a Constituição
autoriza o MP a ele mesmo realizar as investigações, pois todas as Corporações
policiais possuem uma Corregedoria interna, cabendo ao promotor de Justiça ou
ao procurador da República, requisitar a instauração do competente inquérito
policial ao Órgão corregedor e acompanhá-la.
Outra falácia é essa balela de que apenas o Ministério
Público, por ser uma Instituição dotada de garantias e prerrogativas constitucionais,
como a independência funcional, administrativa e financeira, a inamovibilidade
e a vitaliciedade, é capaz de combater o crime organizado. Ora, a Polícia
Federal e seus delegados e agentes, sem nenhuma dessas garantias, vem fazendo
isso de forma natural e republicana, e cito apenas o mais atual e mais
comentado nos dias de hoje, que é o chamado "Esquema Carlinhos
Cachoeira". Imaginem o quanto a Polícia Federal e as Polícias Civis
avançariam se também fossem dotadas dessas prerrogativas e garantias
funcionais?
Também não pode encontrar eco a desculpa de que alguns
países desenvolvidos conferem aos seus Ministérios Públicos a competência de investigar
e, em alguns deles, a missão de comandar diretamente as investigações. Cada
povo, sociedade, nação, encontra os mecanismos que se encaixam na sua cultura,
mas esquecem os defensores dessa tese que o Ministério Público de lá não tem
nada a ver com o nosso Ministério Público. Vejamos o caso do Ministério Público
estadunidense, onde sequer existe carreira de promotor ou procurador. Aliás, pra
começar, lá o MP é de nível municipal, assim como a Polícia e o próprio Poder
Judiciário, coisa que aqui não existe. O promotor-chefe do Ministério Público
municipal é eleito pelo povo, assim como o xerife, o Chefe da Polícia local, que
recruta advogados para auxiliá-lo na missão de denunciar os criminosos à
Justiça. Promotor nos EUA não presta concurso, não é carreira pública, mas sim
uma carreira essencialmente política.
A PEC 37 está longe de ser a PEC da insensatez ou da
impunidade, como defendem as associações de classes dos membros do nosso
Ministério Público, no qual embarcam desavisados de plantão. Eu diria que a PEC
37 está mais para a "PEC da fogueira das vaidades", ou a "PEC do
holofote", pois a mídia se interessa em publicitar e novelar crimes de
apelo popular para lucrar com propagandas, e os holofotes se direcionam para os
atores das investigações, os policiais, os delegados de polícia.
Nunca vi nenhum membro do Ministério Público defender a
Polícia judiciária, lutar pelo seu fortalecimento, pelo seu aparelhamento e por
que não dizer, pela sua independência dos governantes, alegando que não lhes
adianta suas garantias e prerrogativas constitucionais de promotor ou
procurador de Justiça se aquele que tem o dever, a missão, de investigar não
desfruta das mesmas, alertando a sociedade de que os crimes de colarinho branco
ficam impunes porque a Polícia não os investiga, e não os investiga porque
delegados e agentes podem ser perseguidos e punidos pelo poder político, a que
estão subordinados. O tal "esquema Carlinhos Cachoeira" descortinou
essa promiscuidade de setores policiais, governantes e mafiosos.
Mas quem disse que a elite brasileira é a favor de uma
Polícia Republicana, independente e fortalecida? Dar "independência"
ao juiz e ao promotor e manter o delegado subordinado aos governantes é o
presente da elite brasileira a impunidade! Viram a palavra independência entre
aspas? Pois é, porque como podemos falar em independência do Ministério
Público, por exemplo, se o Chefe da Instituição é escolhido pelo Chefe do Poder
Executivo, ou seja, pelo governante? Então, já que modelos alienígenas são
exaltados, que adaptemos o nosso MP aos desses países que os adotam! Mas aí
dirão "ah, o povo brasileiro não sabe votar, não está preparado pra isso, o
MP virará uma Instituição político-partidária, etc. e etc." Mas então, se
o modelo de MP de lá não nos serve, o modelo jurídico-penal também não há de
nos servir, não é mesmo?
A aprovação da PEC 37, inevitavelmente, exigirá a edição
de uma Lei Orgânica Nacional da Polícia, aliás, legislação essa que a sociedade
realmente lúcida deste país cobra há 24 anos dos nossos congressistas. A
legislação que organiza as diversas Polícias judiciárias brasileiras datam das
décadas de 60, 70, 80... A organização policial brasileira é uma bagunça e não
tenho dúvidas de que é proposital, para permitir que servidores policiais federais
e estaduais sejam manipuláveis. Assim age a nossa elite, sempre tratando o
policial como servidor de quinta categoria, serviçal e mão de obra barata,
jogando-o constantemente aos leões e despertando no povo humilde (eleitores,
claro) verdadeiro ódio à farda e ao distintivo. A tal elite aplaude e bajula o
Ministério Público como se seus membros fossem homens e mulheres especiais,
diferenciados, super-heróis, defensores dos fracos e oprimidos. Por trás de um
juiz, delegado ou promotor há um ser humano com vícios e virtudes. Ninguém é
mais ou menos honesto que o outro por conta da carreira que escolheu seguir,
por vocação. Vou apenas lembrá-los que nada mais, nada menos que o
ex-procurador-geral de Justiça de Goiás, Demóstenes Torres, então senador da
República, foi cassado pelo Senado por seu envolvimento com o
mafioso Carlinhos Cachoeira.
Costumo dizer que as Instituições são absolutamente
perfeitas, mas infelizmente compostas por seres humanos. A organização do
sistema jurídico-penal no Brasil realiza um ciclo completo de Justiça, onde a
Polícia investiga, o Ministério Público denuncia e o Poder Judiciário julga,
com todo o processo acompanhado pelos advogados, os quais asseguram a ampla
defesa dos réus. Se falhas existem, devemos corrigi-las, mas jamais diminuir a
atuação de nenhuma dessas Instituições.
*atualizado em 05/03/2013
*atualizado em 05/03/2013