quarta-feira, 27 de junho de 2012

POR QUE SOU A FAVOR DA PEC 37?

            Porque sou delegado de polícia, corporativista e "farinha pro meu pirão primeiro"? Essa seria a resposta imediata dos que dizem "não" à PEC 37, ou como a batizaram os membros do Ministério Público, a "PEC da impunidade".

            Não é nada disso. A PEC 37, ou Proposta de Emenda Constitucional nº 37-A, de 2011, de autoria do deputado federal pelo Maranhão, Lourival Mendes, que é delegado de polícia naquele Estado, simplesmente pretende acrescentar um parágrafo ao artigo 144 da Constituição Federal (e por isso, Emenda à Constituição), que trata da organização da Segurança Pública no Brasil, que deixe bastante claro que a missão de investigar crimes é da Polícia judiciária, ou seja, da Polícia Federal e das Polícias Civis dos Estados e a do Distrito Federal, aliás, entendimento esse que já vem sendo manifestado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento noticiado amplamente, onde o Ministro Cezar Peluso, em seu voto, afirma "no quadro das razões constitucionais, a instituição que investiga não promove ação penal e a que promove, não investiga”.

            O acréscimo do § 10 ao art. 144 proposto pela PEC 37 tem o seguinte texto:

"A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incubem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente."

            Portanto, o que se pretende é deixar claro, o que ainda é nebuloso, a qual, ou quais, Instituições competem a apuração da infrações penais, a fim de que essa função possa ser regulamentada sem que o Poder Judiciário, a todo o momento, seja instado a se pronunciar sobre a ilegalidade de investigações promovidas por outras Instituições.

            É uma mera questão de ordenamento jurídico que visa dar garantias à cidadania. Quantas vezes cidadãos, até mesmo advogados, peticionam ao Ministério Público requerendo a propositura de uma ação penal e este encaminha a representação para a Delegacia de Polícia, a fim de que o delegado de polícia instaure o inquérito policial? Isso consome tempo, e em alguns casos os vestígios se apagam e a impunidade se estabelece.

            A PEC 37 norteia a comunidade jurídica e sinaliza aos cidadãos o caminho a ser seguido, sem que ele perca tempo batendo em portas erradas ao pretender ver processado alguém que tenha lesado sua integridade física, seu patrimônio, sua honra, etc.

            Outro ponto importantíssimo a se destacar, e a refutar a maldosa ideia de que mas nenhum outro Órgão ou Instituição poderá realizar atos investigatórios, é remetê-los ao texto da PEC 37 e ressaltar que ela confere PRIVATIVIDADE às Polícias judiciárias, e não EXCLUSIVIDADE. O próprio texto das razões que a justificam já destaca que as investigações criminais levadas a efeito pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, definidas na própria Constituição Federal, não sofrem qualquer alteração, ou seja, as CPIs ou as CPMIs, continuarão com o poder de investigar os fatos que interessam à República e à democracia brasileiras.

            Em Direito sabemos que há uma clara distinção entre o que é privativo e o que é exclusivo, em termos de competência. A exclusividade ocorre quando a competência é única, enfim, quando um determinado ato só pode ser exercido por uma determinada autoridade ou Órgão, como por exemplo, a investigação dos crimes de extorsão mediante sequestro no Rio de Janeiro, cuja competência é exclusiva da Divisão Anti-Sequestro, ou seja, nenhuma outra Delegacia tem atribuição para investigar esses crimes, devido a especialidade na matéria daquela Unidade de Polícia Judiciária. Já a privatividade, como regra inferior a exclusividade, permite que aquela competência possa ser exercida por outra autoridade ou Órgão em determinadas situações, ou até mesmo concorrente. É o caso das investigações dos crimes contra a Fazenda Pública aqui também, onde a competência da Delegacia de Polícia Fazendária se dá em razão da lesão ao patrimônio público, pois sendo de pequena monta, a investigação corre pela Delegacia da circunscrição onde ocorreu o fato.

            A própria Constituição é a grande mestre a nos ensinar o conceito de privatividade, quando em seu artigo 22 regula a competência privativa da União em legislar sobre direito civil, penal, processual, etc., e lá em seu parágrafo único estabelece que os Estados poderão legislar sobre questões específicas dessas matérias, mediante autorização contida numa Lei Complementar, ou seja, o ato de conferir privatividade a alguém não impede que, em casos especiais, outro pode suplementar ou complementar aquela competência.

            Nesse clima, a PEC 37 jamais poderia conferir exclusividade às Polícias judiciárias quanto a competência de investigar as infrações penais, pois a própria Constituição confere essa mesma competência a outros Órgãos, como o caso das Comissões Parlamentares de Inquérito, as investigações levadas a efeito pelos Tribunais nos crimes comuns cometidos pelos magistrados, e pelo Ministério Público nos casos dos seus membros, etc.

            Portanto, falar em "engessar" o poder investigatório do Ministério Público é puro "estelionato" corporativista, eis que o Ministério Público jamais deteve esse tal "poder". Onde está escrito, na Constituição Federal, que o Ministério Público tem poder de investigar alguma coisa? Nesse sentido, o Constituinte de 88 conferiu ao MP apenas o poder de requisitar a realização de diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais, acompanhando o seu andamento, bem como a ultra nobre missão de exercer o controle externo da atividade policial, não só a da polícia judiciária como da polícia ostensiva também.

            O Ministério Público já possui missões relevantes e destacadas no combate a impunidade, as quais têm início na própria competência de fiscalizar a atividade policial, pois o combate a impunidade começa com uma boa investigação, uma que consiga produzir as provas necessárias ao oferecimento da denúncia - ato exclusivo do MP - e a condenação do criminoso. Nem mesmo quando se trata de crimes cometidos por policiais a Constituição autoriza o MP a ele mesmo realizar as investigações, pois todas as Corporações policiais possuem uma Corregedoria interna, cabendo ao promotor de Justiça ou ao procurador da República, requisitar a instauração do competente inquérito policial ao Órgão corregedor e acompanhá-la.

            Outra falácia é essa balela de que apenas o Ministério Público, por ser uma Instituição dotada de garantias e prerrogativas constitucionais, como a independência funcional, administrativa e financeira, a inamovibilidade e a vitaliciedade, é capaz de combater o crime organizado. Ora, a Polícia Federal e seus delegados e agentes, sem nenhuma dessas garantias, vem fazendo isso de forma natural e republicana, e cito apenas o mais atual e mais comentado nos dias de hoje, que é o chamado "Esquema Carlinhos Cachoeira". Imaginem o quanto a Polícia Federal e as Polícias Civis avançariam se também fossem dotadas dessas prerrogativas e garantias funcionais?

            Também não pode encontrar eco a desculpa de que alguns países desenvolvidos conferem aos seus Ministérios Públicos a competência de investigar e, em alguns deles, a missão de comandar diretamente as investigações. Cada povo, sociedade, nação, encontra os mecanismos que se encaixam na sua cultura, mas esquecem os defensores dessa tese que o Ministério Público de lá não tem nada a ver com o nosso Ministério Público. Vejamos o caso do Ministério Público estadunidense, onde sequer existe carreira de promotor ou procurador. Aliás, pra começar, lá o MP é de nível municipal, assim como a Polícia e o próprio Poder Judiciário, coisa que aqui não existe. O promotor-chefe do Ministério Público municipal é eleito pelo povo, assim como o xerife, o Chefe da Polícia local, que recruta advogados para auxiliá-lo na missão de denunciar os criminosos à Justiça. Promotor nos EUA não presta concurso, não é carreira pública, mas sim uma carreira essencialmente política.

            A PEC 37 está longe de ser a PEC da insensatez ou da impunidade, como defendem as associações de classes dos membros do nosso Ministério Público, no qual embarcam desavisados de plantão. Eu diria que a PEC 37 está mais para a "PEC da fogueira das vaidades", ou a "PEC do holofote", pois a mídia se interessa em publicitar e novelar crimes de apelo popular para lucrar com propagandas, e os holofotes se direcionam para os atores das investigações, os policiais, os delegados de polícia.

            Nunca vi nenhum membro do Ministério Público defender a Polícia judiciária, lutar pelo seu fortalecimento, pelo seu aparelhamento e por que não dizer, pela sua independência dos governantes, alegando que não lhes adianta suas garantias e prerrogativas constitucionais de promotor ou procurador de Justiça se aquele que tem o dever, a missão, de investigar não desfruta das mesmas, alertando a sociedade de que os crimes de colarinho branco ficam impunes porque a Polícia não os investiga, e não os investiga porque delegados e agentes podem ser perseguidos e punidos pelo poder político, a que estão subordinados. O tal "esquema Carlinhos Cachoeira" descortinou essa promiscuidade de setores policiais, governantes e mafiosos.

            Mas quem disse que a elite brasileira é a favor de uma Polícia Republicana, independente e fortalecida? Dar "independência" ao juiz e ao promotor e manter o delegado subordinado aos governantes é o presente da elite brasileira a impunidade! Viram a palavra independência entre aspas? Pois é, porque como podemos falar em independência do Ministério Público, por exemplo, se o Chefe da Instituição é escolhido pelo Chefe do Poder Executivo, ou seja, pelo governante? Então, já que modelos alienígenas são exaltados, que adaptemos o nosso MP aos desses países que os adotam! Mas aí dirão "ah, o povo brasileiro não sabe votar, não está preparado pra isso, o MP virará uma Instituição político-partidária, etc. e etc." Mas então, se o modelo de MP de lá não nos serve, o modelo jurídico-penal também não há de nos servir, não é mesmo?

            A aprovação da PEC 37, inevitavelmente, exigirá a edição de uma Lei Orgânica Nacional da Polícia, aliás, legislação essa que a sociedade realmente lúcida deste país cobra há 24 anos dos nossos congressistas. A legislação que organiza as diversas Polícias judiciárias brasileiras datam das décadas de 60, 70, 80... A organização policial brasileira é uma bagunça e não tenho dúvidas de que é proposital, para permitir que servidores policiais federais e estaduais sejam manipuláveis. Assim age a nossa elite, sempre tratando o policial como servidor de quinta categoria, serviçal e mão de obra barata, jogando-o constantemente aos leões e despertando no povo humilde (eleitores, claro) verdadeiro ódio à farda e ao distintivo. A tal elite aplaude e bajula o Ministério Público como se seus membros fossem homens e mulheres especiais, diferenciados, super-heróis, defensores dos fracos e oprimidos. Por trás de um juiz, delegado ou promotor há um ser humano com vícios e virtudes. Ninguém é mais ou menos honesto que o outro por conta da carreira que escolheu seguir, por vocação. Vou apenas lembrá-los que nada mais, nada menos que o ex-procurador-geral de Justiça de Goiás, Demóstenes Torres, então senador da República, foi cassado pelo Senado por seu envolvimento com o mafioso Carlinhos Cachoeira.

            Costumo dizer que as Instituições são absolutamente perfeitas, mas infelizmente compostas por seres humanos. A organização do sistema jurídico-penal no Brasil realiza um ciclo completo de Justiça, onde a Polícia investiga, o Ministério Público denuncia e o Poder Judiciário julga, com todo o processo acompanhado pelos advogados, os quais asseguram a ampla defesa dos réus. Se falhas existem, devemos corrigi-las, mas jamais diminuir a atuação de nenhuma dessas Instituições.

*atualizado em 05/03/2013

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O Que Falta Às UPP's?

Os acontecimentos recentes na Rocinha, os problemas que o Exército brasileiro vem enfrentando no conjunto de comunidades na Penha (Alemão) e o caso do capitão PM comandante da UPP do São Carlos preso acusado de receber propina dos “traficantes” locais, merecem que todos nós façamos uma reflexão sobre a estratégia das UPP’s no Rio de Janeiro, ou melhor, sobre o tão sonhado projeto de “pacificação” dessas comunidades, que é o que mais se pretende.


A ocupação desses territórios e a sua re-inserção ao conjunto da cidadania vai muito mais além do que uma mera ação policial-militar. Ela carece de outras iniciativas, públicas e privadas, para se consolidar a presença do Governo Estatal, através do Município, do Estado e da União.

Não podemos permitir que a Polícia Militar, por exemplo, seja o único Órgão público a marcar presença nessas comunidades, começando por lembrarmos que a PM é apenas uma das duas Instituições responsáveis pela Segurança Pública, sendo a Polícia Civil a outra. Ainda para ficarmos apenas no campo da Justiça, além das corporações Policiais, temos também a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Poder Judiciário que poderia ter alguma espécie de atuação. E a Defesa Civil, tão necessária para atuar pró-ativamente nos casos de acidentes, como desmoronamentos de encostas ou desabamento de construções, que sabemos precárias em nossas favelas?

Mas no que depende apenas dos órgãos vinculados à Secretaria de Segurança fluminense, vejo a ausência da Polícia Civil nas comunidades “pacificadas” como uma espécie de campo fértil para que policiais militares mal intencionados possam, em curto prazo, se desviarem dos seus reais objetivos, assim como, do contrário, fossem os policiais civis responsáveis pelas ocupações e a PM ficasse de “fora”.

O que eu quero dizer com isso, que é o que defendo, é que se as UPP’s atuassem cada uma como uma espécie de “mini” secretaria de segurança, policiais militares e policiais civis acabariam fiscalizando-se reciprocamente, num verdadeiro sistema de freios e contrapesos. Nessas horas, a existência de duas polícias estaduais, cada uma exercendo o seu papel constitucional, cai com uma luva para esse tipo de estratégia, pois, do contrário, estaremos proporcionando que os policiais militares se sintam “donos” dessas comunidades, resolvendo eles mesmos os pequenos e médios conflitos comunitários, que podem tranquilamente levá-los à prática de desmandos, sob o manto da farda.

A Bahia e o Paraná já desenvolveram suas próprias “upp’s” e, até onde eu sei, em ambos os Estados, a Polícia Civil atua em conjunto com a Polícia Militar.

Aqui no Rio de Janeiro temos a figura dos comissários de polícia, que são oficiais de cartório (antigos escrivães) e inspetores que chegam ao topo de suas carreiras de agentes e passam a ser assim denominados, que poderiam ficar a frente de Comissariados de Polícia instalados nas comunidades para atuarem, principalmente, na identificação dos traficantes que ali atuavam e reprimir, com imediatas investigações, a tentativa de restabelecimento de “bocas-de-fumo”, além de atuarem efetuando os boletins de ocorrência e na investigação dos crimes de menor potencial ofensivo.

Entregar a uma única instituição essa missão fundamental de verdadeira pacificação de nossas favelas, na nossa humilde avaliação, é um erro não só com a própria Polícia Militar fluminense, mas com todo um projeto maior de segurança pública para a Cidade e o Estado.