terça-feira, 24 de agosto de 2010

Fim da Secretaria de Segurança: Fortalecendo a Polícia

No post anterior falei sobre a Secretaria de Estado de Segurança Pública, (SSP) que é a pasta que coordena as políticas para a área do governo estadual, que em alguns Estados recebe o nome de Secretaria de Estado de Defesa Social, e outros. Lembrei que durante doze anos, pós-abertura política, entre 1983 e 1994, a SSP, criada no governo militar para controlar as polícias estaduais, a Polícia Militar e a Polícia Civil (doravante apenas PM e PC), esteve extinta aqui no Rio de Janeiro e em seu lugar havia três pastas a cuidar do assunto: a Secretaria de Estado de Defesa Civil (SEDEC), que abrigou o Corpo de Bombeiros (BM), a Secretaria de Estado de Polícia Militar (SEPM) e a Secretaria de Estado de Polícia Civil (SEPC).

Leonel de Moura Brizola foi quem estabeleceu essa organização para os órgãos de segurança pública no Rio de Janeiro ao tomar posse em 15 de março de 1983, estrategicamente extinguindo a SSP dos militares e nomeando profissionais de cada órgão para comandá-los, ou seja, um coronel BM para a SEDEC, um coronel PM para a SEPM e um delegado de polícia para a SEPC. Essa disposição, inclusive, foi recepcionada pela Constituição de 1988, a “Constituição Cidadã”, que em seu art. 144, § 6º, estabeleceu que esses três Órgãos seriam subordinados diretamente aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. “Seriam”, mas não são.

Durante esse período, foram os governadores Brizola (1983-1986), Moreira Franco (1987-1990), Brizola novamente (1990-1994) e Nilo Batista (março a dezembro de 1994), quem efetivamente coordenou as duas Polícias, funcionando como deveria ser, ou seja, o próprio governador do Estado funcionando como o Chefe da Polícia Estadual.

O Chefe da Polícia Civil, ou Secretário de Estado de Polícia Civil, e o Comandante-Geral da Polícia Militar, ou Secretário de Estado da Polícia Militar, pertenciam ao 1º escalão do governo estadual, e eram subordinados diretamente ao Governador, como determinado pela Constituição Federal. Tinha status de Secretário de Estado. Suas instituições possuíam assento no organograma do Poder Executivo no patamar merecido em razão de suas relevantes importâncias no cenário da administração pública. São instituições que jamais descansam e a porta de entrada número um de todo e qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, que necessite de proteção à sua vida e seu patrimônio.

Até então, além do cargo em comissão de Secretário de Estado, símbolo SE, havia apenas o de subsecretário, símbolo SS, que era ocupado na PC por outro delegado de polícia que hoje se chama subchefe de polícia, enquanto na PM era o chefe do estado-maior.

O governador Marcello Alencar, equivocadamente, mesmo tendo sido advogado de presos políticos durante a ditadura, graças aos óbvios insucessos de Brizola e Moreira num país de imensa e abissal injustiça social, inflação, desemprego e crescente favelização, extinguiu as três secretarias e ressuscitou a SSP e advinha comandada por quem, pelos mesmos generais do Exército, sob a ótica míope de que apenas os militares poderiam dar jeito na segurança pública.

Extinguiu-se dois cargos de secretários de estado e os converteram em três cargos de subsecretários-adjuntos, símbolo SA, que até então não existia, para substituir os de 2ª hierarquia nos três Órgãos, os subchefes, que passaram de figuras do 2º para o 3º escalão do governo, Na PC, PM e BM havia cerca de 14 (catorze) cargos em comissão de nível “departamento geral”, símbolo DG, em cada uma, que foram automaticamente reduzidos a 5 (cinco) para que pudessem ser transformados em novos cargos em comissão para suprir a estrutura da nova SSP. Igualmente, na PC as chefias de departamentos (DAS-8), divisões (DAS-7), serviços (DAS-6), seções (DAI-6) e setores (DAI-5), foram extintas e seus cargos transferidos para a SSP. Nunca mais esses cargos foram re-criados na PC, enquanto de alguns departamentos foram recuperados no atual mandato governamental.

O Chefe de Polícia Civil e o Comandante-Geral da PM haviam sido rebaixados ao posto de subsecretários e a Secretaria de Segurança passou efetivamente a se constituir num terceiro Órgão policial, com uma estrutura organizacional até hoje invejável, atualmente contando com 5 (cinco) subsecretarias, sem contar a da Corregedoria Geral Unificada e a Ouvidoria de Polícia e diversos cargos ao nível de departamento-geral. Até a uns meses atrás a DRACO-IE (Delegacia de Repressão ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais) era subordinada a SSP (hoje tratada por SESEG), sem contar o enorme efetivo que a mesma suga da PM e da PC.

O Corpo de Bombeiros se desvinculou da SSP no governo Garotinho (1999-2002) e se assentou novamente na SEDEC e seu comandante-geral foi o único a recuperar o status de Secretário de Estado, perdido no atual governo quando foi criada a Secretaria de Estado de Saúde e de Defesa Civil (SESDEC), voltando ao nível de subsecretário – diga-se de passagem, uma medida inteligente em se reunir “saúde” e “defesa civil” numa só Pasta.

É uma baita estrutura que guarda correspondência nas estruturas das Polícias Civil e Militar, como são os casos das assessorias jurídicas, departamentos de administração, áreas de ensino, inteligência, planejamento, operações, corregedoria, comissões de licitação e de pregão, enfim, sem contar o do próprio secretário de segurança.

Com as atribuições bem definidas nas Constituições Federal e Estadual, para que as polícias funcionem bem e de forma entrosada basta apenas que o Congresso Nacional aprove a Lei Orgânica da polícia brasileira, e se não o fizer, como ainda não o fez mesmo após 22 (vinte e dois) anos, que a Assembléia Legislativa o faça, por decisão política do Governador, pois uma Lei Orgânica estadual pode ser aprovada na falta de uma lei federal.

Uma secretaria de segurança pública vincula ainda mais a polícia ao governo, quando, na verdade, a atividade policial é uma função automática do Estado. É diferente da educação e da saúde, por exemplo, porque um cidadão pode passar a vida toda sem precisar da polícia, pode nunca precisar entrar numa delegacia de polícia, enquanto obrigatoriamente ele passará pelos bancos escolares e pelos leitos hospitalares, inclusive quando nascer. Por vezes, o cidadão nem se dá conta que ao seu lado, ou próximo, existem policiais investigando um caso, vestidos como qualquer do povo e em veículos comuns. Rigorosamente, fazer policiamento ostensivo e investigar um crime pode ser feito até a pé e por qualquer do povo, enquanto cuidar da saúde necessita de investimentos caríssimos.

Eu quero chegar a reflexão de que assim como a Justiça funciona de forma automática, ou seja, um juiz recebe um caso e o julga, um policial militar sabe exatamente qual sua função nas ruas e o policial civil ao investigar um crime. Obviamente que essas funções dependem de investimentos que possam modernizar as suas atividades diárias e prestar um serviço público cada vez melhor, mas vejam como elas são por natureza “livres”, diferentemente de um médico que não depende só de si mesmo para curar ou de um professor para ensinar.

Por isto, sinceramente, não consigo vislumbrar a real necessidade da existência de uma secretaria de segurança pública para as polícias. É o mesmo que termos uma secretaria de justiça para entrosar as atividades dos promotores e juizes, imagina?

Se eu fosse o governador do Estado, minha primeira medida seria desvincular a atividade de governo da atividade policial, cabendo ao primeiro apenas dar os recursos financeiros para pagar salários, comprar equipamentos e fazer a manutenção da máquina. É como um trabalhador: o patrão paga o salário em dia e espera do seu empregado que ele compareça ao trabalho e produza, fornecendo-lhe, ainda, vale-transporte, vale-refeição e plano de saúde. O que o trabalhador vai fazer com o seu salário é problema dele.

Com uma legislação federal e estadual definindo claramente as atribuições e responsabilidades das polícias e dos policiais, ambos submetidos ao controle da sociedade, caberia ao Estado apenas monitorar os índices de criminalidade e aplicar as decisões da sociedade para o planejamento da Justiça Criminal, ou seja, Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário, do tipo, criação de uma delegacia municipal ou distrital, um batalhão, uma vara criminal, enfim.

Na medida em que há um secretário de segurança, o governador fica vinculado a qualquer ocorrência na área, quando a questão do combate ao crime é um problema exclusivamente da polícia. Ao governo incumbe atacar as causas da violência urbana, principalmente na questão da redução da pobreza, oferta de emprego, saúde e educação. Quem deve ser cobrado pela falta de policiamento ostensivo em um determinado bairro é o comandante-geral da PM, enquanto o chefe da PC deve explicar os motivos pelos quais os índices de esclarecimentos de casos de homicídios estão baixos. Que culpa tem o governador se uma patrulha da PM aborda um veículo cheio de marginais e provoca um bang-bang em plena rua? Se a abordagem foi mal feita é um problema dos gestores da área de formação e qualificação do policial. Se havia informação sobre a existência de marginais circulando armados pela cidade e a repressão não alcançou sucesso é um problema de gestão policial. Nada tem a ver com o governador. Coloque-se no lugar dele? Agora, ele pode ser responsabilizado, inclusive criminalmente, se nomear um delegado corrupto para chefiar a PC, ou incompetente. Garotinho acabou de ser condenado, junto com seu então Chefe de Polícia Civil, por formação de quadrilha, olha aí...

Por isso tudo tenho dito que apenas votaria em candidatos, tanto aos governos como aos parlamentos estadual e federal, que defendessem a desvinculação completa do governo da polícia, instituindo a independência funcional, administrativa e financeira das Polícias Civil e Militar, principalmente a da primeira, por ser um Órgão de natureza civil e de caráter investigativo, com a imediata extinção da secretaria de segurança pública.

3 comentários:

  1. Muito boa a reflexão sobre a SSP ... pena que nada vai mudar pq é uma questão de politica.

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  2. Caro Delegado, excelente a sua reflexão. Será que conseguiríamos aprofundar essa discussão pessoalmente? Digo isso porque estou desenvolvendo uma tese que toca em questões similares.

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  3. Prezado Kleber, será um prazer conversarmos. Deixe seu e-mail para nos comunicarmos.
    Abraços!

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