quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A Polícia Que Queremos

O momento é oportuno para fazermos ver que o modelo atual da organização policial brasileira está absolutamente esgotado. Por mais bem intencionadas que possam ser as pessoas que sentam nas cadeiras de governador, secretário de segurança, comandante-geral da PM e chefe da Polícia Civil, elas irão fazer apenas mais do mesmo, ou seja, nada. Qual a grande mudança que um governador pode fazer no aparelho policial se ele está definido na Constituição Federal?

Colegas delegados, civis e federais, demais agentes e axuliares das autoridades policiais, companheiros policiais militares, bombeiros militares, policiais rodoviários federais, guardas municipais e agentes penitenciários, nós temos que nos unir, livre de paixões ou corporativismos, em defesa de um modelo novo de Polícia, atual, modernizado e eficiente, e mostrarmos a sociedade o que queremos ser para, enfim, poder servi-la. Com certeza, diversas idéias existem por aí, mas penso que a reforma do sistema policial brasileiro passa por dois pontos fundamentais: uma maior participação da União e o definitivo ingresso dos municípios na prestação da segurança pública. Em termos práticos, os três níveis de governos, federal, estadual e municipal, repartiriam a prestação desses serviços públicos, cabendo à União passar a investir consideravelmente recursos com a criação e a manutenção de novos organismos policiais.

Nesse aspecto, a criação da atual Força Nacional de Segurança, cujo efetivo é composto por policiais e bombeiros militares de todo o país, não deixou de representar um avanço do governo federal na área, mas sua atuação e o seu emprego tem se resumido meramente ao pouco incremento do volume de ostensividade, ou seja, agindo apenas como extensão da PM na Unidade da Federação atendida.

Quando da nossa participação na 1ª Conferência Nacional de Segurança, no fim do mês de agosto do ano passado, em Brasília, organizada pelo governo federal, através do Ministério da Justiça, via Secretaria Nacional de Segurança Pública, representando a minha categoria, algumas diretrizes foram firmadas e se destacaram aquelas que modificam pontos fundamentais na polícia brasileira:

1) desmilitarização das Polícias e Corpos de Bombeiros Militar;

2) estabelecimento do “ciclo completo”, ou seja, uma única instituição atuando nos dois ramos da atividade policial, prevenção e repressão;

3) criação das polícias municipais;

4) criação da polícia penitenciária;

5) garantia de independência funcional, administrativa e financeira.

A implementação dessas diretrizes é completamente possível e basta apenas que se viabilize essas mudanças, com as idéias que pretendemos expor aqui, o que faço na qualidade de um cidadão que atua há anos no ramo, atento as aspirações das diversas categorias profissionais de todas as atuais instituições, muito enraizadas no corporativismo, que refuto de todas as formas e procuro estar absolutamente distante dessas questões que julgo mesquinhas e medíocres, típicas dos que lutam pela manutenção de status, privilégios e mordomias, sem se importarem com o futuro da sociedade.

Começando de baixo para cima, ou seja, pelos municípios, estes terão, cada um, a sua Polícia Municipal, única instituição que passaria a realizar o ciclo completo da atividade policial, pois ela atuaria no policiamento ostensivo geral em todo seu território, exceto nas rodovias federais, e na investigação de crimes, excetuados os de atribuição dos Estados e da União.

Seguindo a diretriz de desmilitarização das instituições de segurança pública, essa polícia municipal seria de natureza civil, porém alicerçada sua organização com base nos princípios da hierarquia e da disciplina, fundamentais para o exercício desse tipo de atividade, cujo seguimento ostensivo haveria de ser devidamente uniformizado.

Haja vista que alguns crimes cometidos em uma cidade alcançam repercussão fora de seu território, seja pela atuação de quadrilhas ou bandos ou mesmo pela natureza ou característica da infração ou de seu autor, enxergamos a necessidade da existência de uma polícia estadual, do mesmo modo que possuímos atualmente uma polícia federal.

No âmbito do governo federal, além da manutenção da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, nos mesmos termos atuais, a União criaria, organizaria e manteria uma polícia penitenciária, passando a ampliar o número de unidades prisionais em todo o país, encampando as atuais unidades administradas e mantidas pelos Estados, os quais perderiam essa atribuição. Essa polícia penitenciária federal seria o órgão da União encarregado da manutenção e administração do sistema penal, a re-socialização e a recaptura dos presos, em caso de evasão, tudo sob a supervisão, controle e coordenação dos órgãos judiciais encarregados da execução penal. Além da União, os municípios seriam obrigados a possuir unidades prisionais em seus respectivos territórios para a custódia e re-socialização dos presos sentenciados em seu território, ou manter convênios com outros municípios ou mesmo a União para essa tarefa. Essas unidades prisionais municipais seriam mantidas e administradas pela respectiva polícia municipal ou poderiam ser terceirizadas, passando à iniciativa privada.

A União criaria, organizaria e manteria, ainda, uma guarda nacional de polícia, em substituição à Força Nacional de Segurança, cujo emprego seria o de manutenção da ordem pública e o de policiamento ostensivo quando requisitado pelo prefeito ou governador, com aprovação da respectiva Casa Legislativa, ou mediante requisição direta pelo chefe da polícia municipal. Esse organismo de natureza policial poderia ser hierarquizado militarmente, substituindo as polícias militares na reserva de contingente do Exército.

Todas as instituições policiais com atribuição de investigar delitos seriam contempladas com o princípio fundamental da independência funcional, administrativa e financeira, bem como teriam seus respectivos chefes escolhidos por seus pares, excetuando-se a polícia municipal, devido à sua proximidade com o cidadão, a quem seria dado o direito de participar desse processo, através dos Conselhos Comunitários que seriam instalados por lei, inclusive funcionando como órgão da sociedade para o exercício do controle externo da atividade policial. Partidos políticos seriam proibidos de participar, direta ou indiretamente, sob pena da prática de crime eleitoral, desse processo de escolha popular do chefe de polícia da cidade, inclusive seria proibida aos servidores policiais a filiação político-partidária, enquanto em atividade.

Os policiais municipais seriam formados e especializados por uma única academia de polícia, organizada e mantida pelas polícias estaduais, de modo que houvesse um padrão técnico e filosófico e favorecesse o entrosamento entre os mesmos.

Além disso, entendemos que a padronização dos cargos e as funções nessas polícias sejam coincidentes, partindo-se da premissa de uma carreira única, possibilitando compatibilizar a eleição do chefe de polícia pela sociedade e a escolha deste na formação da sua equipe, como explicaremos a seguir.

Falar-se em “carreira única” soa como uma grande novidade no meio policial, mas entendemos ser uma solução para os grandes entreves burocráticos e remuneratórios, haja vista a realidade atual que, exceto nas polícias militares, praticamente cada polícia civil, excetuando-se a carreira dos delegados de polícia, nomeia diferentemente seus agentes, ora como detetive, investigador, inspetor, agente, escrivão, oficial de cartório, etc.

Pregamos a carreira única e denominada de “oficial de polícia”, de nível superior, estabelecendo-se a hierarquia através da função policial que cada um estiver desempenhando e, entre os de mesma função, por aquele que, obviamente, possuir maior tempo de serviço.

Nas polícias cuja investigação criminal for sua atribuição, ou uma delas, como é o caso da polícia municipal, deve-se estabelecer a função de presidente das investigações, ou do inquérito policial, atualmente atribuída aos integrantes da carreira de delegado de polícia, que é a autoridade policial prevista na legislação processual penal, enfim, o servidor incumbido de dirigir as investigações e representá-las perante o Ministério Público e o Poder Judiciário, e os demais que, sob a coordenação deste, irão executar as diligências policiais. Assim, a figura de um “delegado”, mantendo-se essa denominação, contribuirá para que todos que atuam na Justiça Criminal, bem como a própria sociedade, continuem a entender o funcionamento da chamada polícia judiciária.

A função de “delegado” seria a de maior hierarquia na estrutura das polícias, seguida da de “comissário”, também considerada como “autoridade policial”, a de “inspetor”, a de “subinspetor” e a de “investigador”.

Os comissários seriam as autoridades policiais atualmente conhecidas nos grandes centros como os delegados de polícia responsáveis pelos plantões nas delegacias policiais, ou seja, a autoridade policial de plantão responsável pela apreciação imediata das ocorrências policiais que resultam na lavratura de registros policiais (boletim de ocorrência, termo circunstanciado, prisão em flagrante, etc.). Os inspetores seriam os supervisores das equipes de subinspetores, investigadores e oficiais de polícia. Os subinspetores seriam os chefes de equipes de investigadores e oficiais de polícia, os primeiros responsáveis pelo cumprimento das diligências policiais determinadas nos inquéritos policiais e os segundos pela execução do policiamento ostensivo. Na Polícia Federal e nas polícias estaduais, os oficiais de polícia formariam duplas de investigação com os investigadores e subinspetores.

Definido o contingente da guarda nacional de polícia, que de início assumiria as funções atribuídas à polícia municipal nas cidades que apresentassem dificuldades em criar o seu próprio departamento de polícia, os atuais policiais militares poderiam optar pela mudança para os seus quadros, mediante interesse da União, frise-se, ou seja, o Governo Federal poderia estabelecer regras de incorporação de efetivos, seja destinando um percentual equânime entre as Unidades da Federação, seja criando mecanismos de depuração dos seus quadros, impedindo que policiais com antecedentes criminais ou disciplinares sejam “federalizados”. O mesmo ocorreria com as polícias estaduais, cujo efetivo seria formado pelos atuais quadros das respectivas polícias civis.

Os atuais policiais militares poderiam optar entre a União ou os municípios, enquanto os atuais policiais civis entre permanecer nos Estados ou migrar para um de seus municípios, mantendo-se e assegurando-se as atuais vantagens pecuniárias de caráter pessoal em seus vencimentos, de forma que não houvesse a menor possibilidade de redução dos mesmos.

Igualmente seria respeitada a manutenção das funções dos atuais quadros das polícias civis, determinando-se que os atuais delegados de polícia automaticamente fossem nomeados para o exercício das funções de delegado, enquanto os agentes, bacharéis em Direito, na função de comissário. Os atuais oficiais superiores das polícias militares bacharéis em Direito que migrassem para a polícia municipal, automaticamente, seriam nomeados delegados, enquanto os demais policiais militares, também formados em Direito, nomeados comissários. Os demais policiais civis e militares seriam automaticamente incluídos como inspetores, subinspetores e investigadores, tudo segundo regra estabelecida por cada Estado, devido às suas particularidades.

O chefe de polícia, uma vez eleito, escolheria e nomearia seus delegados, comissários, inspetores, subinspetores e investigadores entre os oficiais de polícia em atividade, obedecidas determinadas regras como tempo de serviço, antecedentes criminais e funcionais, especialização, etc. Entre os delegados, aqueles que exerceriam determinados cargos comissionados de direção e chefias, e assim por diante, tudo objetivando assegurar o maior grau de independência possível ao chefe de polícia para compor a sua equipe de trabalho.

Outro ponto que julgo relevante é quanto a função de corregedor de polícia, já surgindo opiniões favoráveis a torná-la carreira a parte na polícia. A princípio entendemos que é importante se assegurar a independência daqueles incumbidos de investigar seus pares, mas cremos que a melhor solução é, no caso das polícias municipais, passarmos essa tarefa aos policiais estaduais, enquanto os policiais federais se incumbiriam de investigar estes, além dos demais policiais da União. Mas quem investigaria os policiais federais? Aí sim, na estrutura do Ministério da Justiça, teríamos um órgão autônomo administrativamente, formado por policiais federais, incumbidos de investigar seus pares.

Finalizando, acreditamos que conseguimos exteriorizar nossa idéia de estrutura policial de um país, de reforma do sistema policial brasileiro, de modo a atender princípios elementares de organização federativa, valorização da carreira, aproximação e participação da sociedade, e é óbvio que podemos aperfeiçoa-la e aprimorá-la, como temos feito há muitos anos, aliás, desde a promulgação da Constituição de 1988. Mas, ao mesmo tempo, temos absoluta certeza que nem esta idéia ou alguma parecida será implantada, e se houver alguma mudança fora desse eixo de pensamento, não representará nenhum ganho pra sociedade ou para o Brasil.

Espero seu comentário, suas idéias e sugestões, e com certeza vou aprecia-las e incorpora-las ao texto acima, se entender viável, creditando-a a quem de direito, pois nosso único objetivo é criar um sistema policial bem organizado e estruturado, fincado nos ideais democráticos e Republicano, acabando de vez com disputas, rixas, injustiças e cenários propícios a disseminação da corrupção, da baixa qualidade profissional e do serviço prestado à população.

5 comentários:

  1. Delegado e companheiro de Twitter, parabéns pelo Blog. É bom termos Delegados da ativa escrevendo sobre polícia. Idéias, e boas idéias, nunca são demais e eu aprendo sempre e muito com elas. Quem tem um trabalho interessante , porém justamente dizendo o contrário do que o Sr. expõe aqui é o Del. Cláudio Ferraz. Ele fez em 96 um trabalho sobre a diversidade de políias em ação nos EUA e a eficiencia da grande maioria delas. Caso tenha oportunidade, conheça, que também vale a pena.
    Um fraterno abraço, parabéns não só pelo belo artigo, ainda que em alguns pontos eu discorde aqui e ali, e também e principalmente pelo belíssimo trabalho que o Sr. e sua equipe vem realizando na Distrital.

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  2. como cidadã acho que a questão da segurança pública tem que ser vista também pelo lado social. tem que se criar meio para aproximar a polícia do cidadão. quanto mais eficiente ela for e mais próxima das pessoas estiver, melhor será para todos. não sou expert no assunto, mas pelo que vejo em outros países, a unificação da pm com a pc pode ser o melhor caminho.

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  3. Segadas, pelo contrário, aqui teríamos uma multiplicidade de polícias, exatamente como nos EUA, pois cada município teria a sua, como defendo, alem da criação de mais outras duas: a penitenciária e a guarda nacional. Abraços!

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  4. Marcia, concordo plenamente com você, tanto que proponho a eleição dos chefes das polícias municipais diretamente pelos cidadãos, através dos Conselhor Comunitários. Abraços!

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  5. Existem boas ideis, particularmente sou contra uma força Federal tão poderosa. Mesmo pq acredito que os estados devama assumir tais responsabilidades. Lógico que a União deverá ajudar em treinamento,politica e verbas. Teriamos que ter um grande cuidado em relação as POLICIAS MUNICIPAIS, para que estas não se tornem Guardas pretorianas dos Prefeitos. Isto podeira ser feito com um minímo de população, se este não for alcancado vários Municipios poderiam criar uma Policia Local, ou talvez a Polcia Estadual fizese esse servico. A questão aqui e o Corporativismo enorme que existe em todas as Polcias. O exercito seria contra por perder o controle das PM, lembrem existe la em Brasilia a Inspetoria Geral das Pms, chefia por um General de Exercito. Nossas policia foram feitas desde o inicio como braços do estado e não como um serviço de segurança para a população. O exemplo mais recente disso e como são organizadas as "novas" Guardas Municipais, estão sendo formadas sob o mesmo esquema braços do executivo Municipal e nao como um serviço a população.

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